sábado, 9 de junho de 2007

Prólogo para acabar de vez com a velha politicagem

Diário Catarinense ; Fabio Brüggemann ; 9/6/2007

O antropólogo Claude Lévi-Strauss, um dos mentores do Estruturalismo, em 1996, no livro Saudades de São Paulo, escreveu: "A cidade é primeiramente um espaço, talvez indiferenciado antes que homens o ocupem; mas a maneira como, ao longo dos séculos ou dos anos, eles escolhem se distribuir nesse espaço, a maneira como as diversas formas de atividade política, social, econômica se inscrevem no terreno, nada disso se faz ao acaso, e é apaixonante investigar se as cidades se diferenciam em tipos e se é possível discernir constantes em sua estrutura e seu desenvolvimento".

A citação, ainda que tão longa, é ideal para analisar a situação ímpar pela qual a ilha de Nossa Senhora dos Aterros vive. Dois fatos de aparência distinta, como a prisão de figuras próximas aos poderes executivos (municipal e estadual) e as manifestações de estudantes em prol do passe livre e de melhorias no transporte urbano são, na verdade, problemas de gênese igual.

A formação da elite colonizadora, baseada no princípio de que religião e estado deveriam caminhar juntos, fez com que a Ilha sempre parecesse ter "donos", muito ao contrário dos habitantes originais, os carijós, que sequer tinham em mente idéias como apropriação, divisão, herança ou qualquer sentido de posse de um terreno. Tudo era de todos, até uma família de bandeirantes chegar e se apossar da Ilha.

Até hoje, praticamente toda a costa da Ilha dos Aterros é ocupada de forma ilegal e sob princípios distintos da visão comunitária dos pré-colombianos. Os terrenos, em sua maioria, ainda são "de posse", e quem podia pegar mais pegava mesmo, ainda que sob jugo e anuência do poder político e eclesial. Ainda assim, não era para qualquer um, apenas aos mais chegados dos poderes.

Essa "elite", se analisarmos bem o que disse Lévi-Strauss sobre a forma de ocupação do terreno das futuras cidades, estruturou (para aproveitar o termo antropológico) a cidade de uma forma social, política e cultural que, se funcionou por analogia com outras cidades, hoje há que se relevar sua distinta formação geográfica e cultural.

Mas boa parte da culpa por essa situação, considerando que as escolhas políticas são, sim, democráticas, pertence à maioria de sua população. Lévi-Strauss tem tanta razão quando fala na distribuição da comunidade sobre o espaço urbano, que uma frase do prefeito Dário Berger solicitando ajuda divina para continuar seu governo é ilustração exemplar.

Berger, que administrou uma cidade tão próxima geograficamente, mas tão distante culturalmente, se equivocou ao extremo ao não levar em conta o aspecto cultural quando eleito, da mesma forma que o cidadão se equivocou ao elegê-lo, por não ter nenhuma identidade, apesar da proximidade, com o candidato. Imaginou que a forma quase senhorial como governou a cidade vizinha serviria para a Ilha, mas encontrou jornalistas, artistas, promotores, estudantes secundaristas, universitários, professores e uma elite intelectual disposta a pensar a cidade não como um canteiro de obras, mas como um lugar digno de se viver.

A Ilha de Nossa Senhora dos Aterros mudou de tal forma, miscigenou-se sua cultura tão vertiginosamente nas últimas duas décadas que nem políticos, nem empresários, nem mesmo uma nova elite preparada intelectualmente aprenderam ainda a dialogar sobre seu futuro.

Mas algumas lições são possíveis de se tirar dessas cizânias. A primeira delas é que a cidade não tem mais donos como sempre pensaram e agiram povo e políticos. A segunda é que é necessário um grande debate (e o novo Plano Diretor é o cenário ideal) sobre o futuro da cidade. Por fim, é preciso banir de vez o velho e desprezível modo de fazer política, para finalmente construir uma estrutura racional de ocupação do espaço urbano.

Se é possível discernir constantes na estrutura e desenvolvimento das cidades, como afirma Lévi-Strauss, é preciso, antes de mais nada, levar em conta a cultura como primeiro passo a ser debatido. Continuo outra hora.

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