quarta-feira, 30 de maio de 2007

E agora Florianópolis ?

Sempre que vou a sede do IPUF (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis), procuro passar pelo salão onde trabalha a equipe de planejamento. Lá, numa das paredes, encontra-se uma reprodução em grande escala de uma imagem aerofotogramétrica da Ilha de Santa Catarina feita no início dos anos setenta, ela retrata o que encontramos ao mudar para cá.

Passados tantos anos, quando vejo o que ocorreu com praias maravilhosas como o Campeche, Ingleses, Armação e a Brava, além da favelização dos morros e das áreas de preservação ambiental, sinto que minha geração de arquitetos, planejadores e administradores falhou, tínhamos a nossa disposição um pequeno paraíso e não soubemos ocupá-lo adequadamente.

A ilha retratada naquele painel não existe mais, estamos num estágio intermediário da transformação daquele paraíso em algo diferente. Cabe a nós interferir, na medida do possível, para que a “nova ilha” que vai resultar deste processo seja um lugar agradável e atraente.

O dia 3 de maio de 2007 ficará registrado na história da cidade como a ocasião em que vieram a público, por força da ação da Polícia Federal, os nomes de algumas das pessoas e empresas que supostamente estão contribuindo com o processo de riodejaneirização da Grande Florianópolis.

A deterioração ambiental e urbana que pode ser constatada diariamente não é um fenômeno espontâneo ou inevitável, é o resultado da associação de fatores como a ganância, a falta de ética, o desmantelamento da credibilidade da administração pública e a corrupção de políticos e funcionários públicos.

A reação popular aos eventos do dia 3 de maio, que aplaudiu e encorajou a ação da Polícia Federal, foi nítidamente diferente da reação das lideranças políticas e empresariais, que condenaram e qualificaram aquela ação como pirotecnia e reação exagerada.

As investigações demonstrarão, com base em provas, quem está com a razão.

A importância destes eventos não se resume à exposição pública de corruptores e corrompidos e sim na oportunidade rara, coisa que difícilmente é oferecida às cidades e seus cidadãos : a possibilidade de retomar o caminho do desenvolvimento baseado em regras e no bom senso.

Cabe aos moradores de Florianópolis decidir que imagem deverá substituir no futuro aquela que hoje se encontra no IPUF e retrata o passado irrecuperável.


A couraça social

Qual é a sua família ? Você é filho de quem ?

Em Florianópolis a resposta a estas perguntas aparentemente inócuas pode alterar o destino da pessoa a quem são dirigidas. As respostas certas, que envolvem genealogia e relações próximas, abrem portas ; as respostas erradas excluem a pessoa da proteção assegurada pela couraça social.

A operação Moeda Verde, deflagrada pela Polícia Federal em 3 de maio de 2007, colocou em ação os “agentes sociais”.

Políticos e associações de classe empresariais entraram em cena imediatamente após a prisão, e posterior liberação, de diversas pessoas da auto-entitulada elite local e promoveram atos públicos de “desagravo” aos implicados pelas investigações.

Não houve uma voz sequer que propusesse um ato de desagravo às praias, mangues, varzeas, encostas de morro e áreas de preservação ambiental cuja ocupação e destruição foi o resultado, ou objetivo futuro, das supostas ações das pessoas implicadas.

Devido à centralização das atenções nos problemas ambientais, cujo fôro é do âmbito do Governo Federal, vem ocorrendo uma desatenção (proposital?) em relação ao corrompimento de alguns órgãos da administração municipal de Florianópolis, cujo fôro é do âmbito do Governo Estadual.

O gritante silêncio que envolve a corrupção de instituições públicas municipais é um atestado da força e capacidade de abafar escândalos que caracterizam a ação da couraça social. Mas o que vem a ser isto ?

Para melhor compreender o significado do têrmo é preciso entender algumas peculiaridades históricas de Florianópolis.

Até o início da década de setenta, ocasião em foi concluído o asfaltamento da BR-101 e a consolidação da estrutura da administração estadual na cidade, Florianópolis era uma pacata cidade com poucas similaridades em relação às outras capitais do sul do Brasil.

A criação da Universidade Federal de Santa Catarina, a transferência da sede da Eletrosul e a divulgação em âmbito nacional das belezas naturais da cidade, deram início a um cíclo irreverssível de desenvolvimento e migração.

A principal conseqüência deste processo foi a renovação das lideranças da economia local. O comércio e boa parte do setor de serviços, até então monopolizados por membros de famílias locais, passaram, em parte, para as mãos de pessoas que vieram para a cidade no bojo do processo de migração.

Esta mudança de perfil das atividades da iniciativa privada, conseqüência da capacidade competitiva dos migrantes, transformou o serviço público na opção que restou para preservar o poder, tanto no âmbito municipal quanto no estadual.

A massacrante burocratização das instituições públicas brasileiras contribuiu para assegurar abrigo àqueles que foram eliminados pelo processo altamente competitivo que vigora na iniciativa privada.

No poder público o bom relacionamento social (QI = Quem Indica) e a consangüinidade pesavam mais que o preparo intelectual e a capacidade de produção.

Em Florianópolis a força que sustenta a couraça social encontra-se profundamente encravada no serviço público municipal e estadual e, por ironia da história, determinou a alteração dos padrões éticos da iniciativa privada.

Com a entrada em vigor dos dispositivos da Constituição de 1988 estabeleceram-se os mecanismos que deram origem à impunidade vigente no Brasil.

Uma das conseqüências do manto de proteção que foi estendido sobre todos aqueles que infrigiram dispositivos legais, atentos aos textos legais, foi o efeito bumerangue : muitos dos excluídos da iniciativa privada por força da competição retornaram a ela, ou passaram a beneficiar-se dela, com base na suposta aplicação de dispositivos legais.

Esta operação foi sumarizada ironicamente por um político que cunhou a expressão : “Criam-se as dificuldades para vender as facilidades”.

Como conseqüência, em muitas das grandes e médias cidades brasileiras, dentre elas Florianópolis, consolidaram-se nos órgãos responsáveis pela expedição de alvarás de construção máfias de servidores públicos cujo objetivo era, e continua sendo, a extorsão de propinas daqueles que buscam estes documentos.

Estas máfias abrangem toda a cadeia de órgãos responsáveis pelos licenciamentos.

A existência de uma estrutura desta natureza foi explicitada nas declarações da delegada Júlia Vergara da Polícia Federal, responsável pela execução da operação Moeda Verde, que declarou : “Está tudo dominado”.

Esta frase resume o assunto.

A couraça social é a resposta de um segmento da população de Florianópolis ao esforço de uma organização do Governo Federal que “ousou” expor particularidades pouco recomendáveis de lideranças locais.

Enquanto as forças do Governo Federal tentam colocar alguma ordem neste território dominado onde prevalece o silêncio das autoridades estaduais e municipais e o manto de proteção da couraça social, cabe uma pergunta :

Qual é a sua família ? Você é filho de quem ?

terça-feira, 29 de maio de 2007

CONSUMATUM EST

Contravenção 10 x 0 Plano Diretor

(36 dias após a operação Moeda Verde)


JURERÊ 11

Os fatos :

As imagens abaixo são de uma residência em fase final de construção na rua dos Tambaquis em Jurerê internacional.

O registro fotográfico demonstra que desde o início das obras foi prevista a existência de um terceiro pavimento contrariando o Plano Diretor da área que determina um gabarito máximo de 2 pavimentos.

Um aspécto chama a atenção : o registro fotográfico de 6 de maio de 2007, feito três dias após a operação “Moeda Verde” da Polícia Federal, demonstra a total despreocupação do proprietário com os eventos o que permite deduzir que a ilegalidade da obra é respaldada por autoridades supostamente imunes às investigações das autoridades em relação aos licenciamentos e obras ilegais em Florianópolis.

Zoneamento

ARE-5 (Área Residencial Exclusiva)

Gabarito : 2 pavimentos

Taxa de ocupação : 50 %

Índice de aproveitamento 1

Sumário :

Uma residência teve seu projeto aprovado pela SUSP, obteve alvará de construção e habite-se, apesar de contar com um pavimento além daqueles previstos pela legislação.

Sob condições normais deveriam ser responsabilizados o proprietário da obra, os autores do projeto, os funcionários da SUSP que o aprovaram e o fiscal encarregado da concessão do habite-se.

Soluções :

A – Alterar o zoneamento com aumento do gabarito de dois para três pavimentos. Este procedimento reduziria a corrupção de funcionários do município : é impossível cobrar propinas quando as obras atendem a legislação.

B – Manter o zoneamento existente e, em contrapartida, contratar uma auditoria privada para realizar uma investigação idônea na SUSP e no IPUF.

Responsabilidade política :

Esta obra foi aprovada e licenciada na administração do prefeito Dario Berger.







segunda-feira, 28 de maio de 2007

Para reler e repensar

Fábio Brüggemann ; Diário Catarinense, outubro 2006.

Existem pessoas que constroem cidades, outros preferem destruí-las. Como em breve haverá um novo plano diretor para Florianópolis, vai aqui minha sugestão para facilitar a destruicão, mesmo que já tenha sido iniciado o processo.

1) Habite uma ilha, mas de costas para o mar. Afinal, você ficará cego de tanto vê-lo que, continuar olhando para ele, será um suplício. Depois de alguns anos, “se faça de moderno” e transforme toda a orla urbana - inclusive a das lagoas - em estacionamentos para automóveis, e vá tomar café nos postos de gasolina.

2) Esqueça, de forma solene, a cultura produzida pelos moradores, a começar por destruir todo seu patrimônio material e imaterial, colocando abaixo todo o casario histórico (para quê manter casa velha?) e construa prédios funcionais, modernos” . Deixe que intelectuais, arquitetos, urbanistas, engenheiros e especialistas falem o que quiserem, eles costumam não entender nada disso.

3) Como “essa gente” faz muita porcaria, construa um imenso merdário bem na entrada da cidade, para que turistas e a própria população sinta todos os dias o cheiro daquilo que sabem fazer muito bem.

4) Depois encha a cidade de estátuas extemporâneas e esquisitas, como aquela em homenagem à Polícia Militar, carinhosamente apelidada de “No meu não”. Ao lado do merdário, finque bandeiras enormes. Lindo!

5) Gaste uma fortuna na construcão de um complexo - mas complexo mesmo - de terminais urbanos que fazem qualquer viagem ficar mais lenta do que antes da construcão deles. Não dê ouvidos àqueles “malas” que insistem em achar que investir em transporte marítimo, só porque se habita uma ilha, dará resultado.

6) Aterre todas as orlas, pelo mesmo motivo já citado. Afinal, é muito mar que tem por aí. Precisamos mesmo é de terra e espaços para os benditos automóveis que são a razão essencial de nossas vidas.

7) Depois de aterrar orlas e baías, convide alguns dos urbanistas e paisagistas mais importantes do mundo para que façam um projeto de urbanizacão do aterro. Quando estiver tudo pronto, destrua tudo e coloque ônibus, muitos ônibus, para fazer “NÃO” funcionar aquele complexo citado acima. Para acabar de vez, construa um grande Centro de Eventos cuja arquitetura , além de tapar a pouca vista do mar, é bem parecida com a do merdário citado antes.

8) Asfalte todas as ruas do centro histórico. Afinal, o turismo depende apenas sol e areia! Amplie a velocidade dos carros e permita o aumento da poluição sonora e estimule os acidentes. Ninguém vai à Europa para ver sua cultura e sua história, ou seus museus. Essa gente gosta mesmo é de ver carros, muitos carros. Para os subdesenvolvidos o carro é o simbolo da modernidade! Portanto, a cidade deve ser planejada apenas para os carros!

9) Reconstrua os pilares do Mítico Miramar, pinte de cor de rosa e deixe tudo inacabado. Afinal, aqui também tem construcão nova que já é hoje uma ruína .

10) Construa centros de compras (e os chame colonizadamente de shopping, pois somos todos ingleses ao que parece) bem em cima dos mangues. Ninguém precisa daquele ecossistema cheio de feias garças, carangueijos e que de nada serve na hora de comprar roupinhas de 200 reais, vindas do Bom Retiro, em São Paulo, por apenas 25..

11) Construa casas penduradas nas enconstas das lagoas e dos morros próximos ao mar e desmate tudo em volta, para que não se tenha mais nenhum vestígio de natureza, antes que outro construa a sua também e desmate e tire a sua visão privilegiada. Cidade moderna é asfalto.

12) Desmate tudo, aterre e negocie com a Câmara de Vereadores a ocupação de áreas de preservacão permanente por empreendimentos que privatizam a paisagem e os acessos à praia. Vereadores são sempre acessíveis a bons negócios.

13) Evite o incentivo aos esportes adequados ao clima e geografia da ilha, tais como o vôo livre, a pesca, a vela, etc, e permita a ocupacão de áreas de abastecimento de lençol freático por empreendimentos imobiliários voltados a esportes praticados há anos na Ilha e adorados pelos seus habitantes, como o golfe, por exemplo.

14) Como a Ilha dos Aterros já tem parques demais, doe os parques municipais de preservação para a iniciativa privada explorar os recursos naturais a serem protegidos e as áreas de terra para especulação imobiliária, assim como o parque Sapiens e o Parque do Rio Vermelho. (Aliás, um parque de pinos ellioti - Vil floresta - árvore daninha à nossa fauna, flora, lagos e insetos) - Semeado em toda a Ilha, sobrepõem-se aos garapuvus, para depois alimentar e justificar a volúpia da Câmara Municipal de transformar áreas de preservacão de espécies nativas em próprias para o corte e edificações).

15) Ignore os argumentos de técnicos e ambientalistas que só querem impedir o progresso da cidade e utilize as estruturas de instituições públicas para persegui-los até que abram mão das bandeiras preservacionistas e se mudem de cidade e de Estado. Essa conversa de meio ambiente não interessa para o crescimento dos nossos negócios imobiliários.

16) Construa novos e luxuosos prédios, bem altos, cada vez mais perto do mar, sem saber pra onde vai o esgoto, e os venda pra milionários de qualquer lugar do mundo, e depois coloque a culpa nos que vêm de fora pela ocupação desenfreada da ilha.

17) Deteste quem pensa um pouco no futuro (em desenvolvimento sustentável) e daqueles - mesmo ciente de que um dia vai morrer - que acham que seus filhos e netos merecem uma ilha um pouco melhor. São alienados.

18) Seja moderno e diga de boca cheia não aos “Ecochato”. É muito chique ser contra os ecochatos. Prefira ser um brilhante ecoburro, que é também muito moderninho.

19) Asfalte ruas que não têm nem nome ainda, nem esgoto. Afinal, o que não aparece não dá voto. E o voto é a razão de tudo ora essa!

20) Como voce sabe que nada vai melhorar, vá embora de Florianópolis e não lute contra a burrice humana.